O Registro de Imóveis foi criado no Brasil pela Lei Orçamentária n. 317, de 21 de outubro de 1843, a fim de atender uma necessidade do mercado financeiro emergente, visando controlar e dar publicidade às hipotecas, como forma de enfrentar as chamadas hipotecas ocultas, concedendo maior segurança jurídica e econômica ao crédito imobiliário.
Embora à época o contrato de mútuo com garantia hipotecária fosse lavrado por escritura pública notarial, como não havia um sistema controlado de publicidade que tivesse caráter constitutivo erga omnes, quando o credor “X” ia executar sua garantia hipotecária, era defrontado com outro credor mais antigo, porque tinha escritura mais antiga e, portanto, com melhor direito. A hipoteca mais antiga era mantida e o credor “X” ficaria apenas com eventual sobra, embora para ele o outro credor fosse completamente desconhecido no momento da contratação, porque a escritura pública poderia ter sido feita em outra cidade, até mesmo de outro estado. Então, apesar de oculta, a primeira garantia hipotecária prevalecia, ante o princípio Prior in tempore, potior in jure (Primeiro no tempo, mais forte ou mais poderoso no direito).
Para acabar com essas hipotecas ocultas foi criado o sistema de Registro Geral das Hipotecas, adotando o princípio da territorialidade que, em breve síntese, estabelece que o requerimento de registro seja realizado em um, e somente um Registro Imobiliário: o da situação do imóvel. O interessado na situação jurídica atual de um imóvel não necessita percorrer todos os ofícios do Brasil e do planeta, porque tudo quanto diz respeito aos direitos sobre o bem e seus titulares está concentrado em um único fólio – a matrícula do imóvel. Neste contexto, o princípio da territorialidade também consiste no fato de que as funções do Oficial de Registro de Imóveis deverão ser realizadas estritamente dentro de sua área de competência territorial, definida em lei.
Por isso, a partir de então, quem primeiro registrasse sua escritura hipotecária teria a garantia estabelecida em primeiro grau, não importando qual escritura fosse, porventura, mais antiga.
Cumpre lembrar que a prioridade do direito se apura no protocolo do Registro de Imóveis, de conformidade com a ordem geral de ingresso dos títulos. É conhecida a lição do professor Afrânio de Carvalho:
“O princípio da prioridade significa que, num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: prior tempore potior jure (*Primeiro no tempo, mais forte ou mais poderoso no direito). Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição no registro, prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois”
(in “Registro de Imóveis”, 4ª ed., Forense, 1998, p. 181).
O Registro de Imóveis brasileiro vem se desenvolvendo ao longo de quase 180 anos, incorporando novos direitos registráveis e novas tecnologias no procedimento registral. É regido por determinados dispositivos da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) e pela Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), em seu “Título V – Do Registro de Imóveis”, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1976.
Desde sua edição, a Lei de Registros Públicos sofreu diversas alterações, as mais recentes, apresentadas pela Lei n. 13.465, de 11 de julho de 2017. A legislação de regência é complementada pela Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994 (Lei dos Notários e Registradores) e regulada por normas administrativas baixadas por seu Órgão Fiscalizador – o Judiciário.
O Sistema de Registro de Imóveis foi constitucionalizado como um dos pilares garantidores do Estado Democrático de Direito e âncora para a concretização da propriedade e de sua função social, tudo no sentido de conferir cidadania. A opção do constituinte nacional de 1988 foi a de manter um serviço público exercido em caráter privado (art. 236, CF/88).
Nesse modelo, a outorga administrativa da delegação do serviço público de registro de imóveis é somada ao seu exercício em caráter privado, de sorte que princípios empresariais autônomos, próprios do setor privado, são somados com critérios administrativos de prestação, regulamentação e fiscalização de serviços públicos. O resultado é a prestação de um serviço público iluminado por valores, princípios e procedimentos empresariais inerentes à iniciativa privada.
A delegação dos serviços é realizada por meio de concurso público de provas e títulos, acessível a qualquer pessoa que tenha o título de bacharel em Direito e preencha os requisitos previstos em lei para assunção de cargo público. O concurso é realizado em todas as suas fases pelo Poder Judiciário, com a participação de representantes do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil, de registradores públicos e de tabeliães.
Em homenagem aos 180 anos de instituição do Registro de Imóveis no Brasil, que se avizinha, transcrevemos, a seguir, trecho da lei de sua criação:
LEI N. 317, DE 21 DE OUTUBRO DE 1843.
Fixando a Despeza e orçando a Receita para os exercicios de 1843-1844, e 1844-1845.
Dom Pedro Segundo, por Graça de Deus, e Unanime Acclamação dos Povos; Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brasil, Fazemos saber a todos os Nossos Subditos, que a Assembléa Geral Decretou, e Nós Queremos a Lei seguinte.
… … …
Art. 35. Fica creado um Registro geral de hypothecas, nos lugares e pelo modo que o Governo estabelecer nos seus Regulamentos.
… … …
Mandamos portanto a todas as Autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumprão e fação cumprir, e guardar tão inteiramente como nella se contém. O Secretario de Estado dos Negocios da Fazenda a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palacio do Rio de Janeiro aos vinte um de Outubro de mil oitocentos quarenta e tres, vigesimo segundo da Independencia e do Imperio.
Imperador com Rubrica e Guarda.